sábado, 2 de abril de 2011

quinta-feira, 17 de março de 2011

Auto do que sou






sei, do meu saber de ser
 do qual não acho lugar  nenhum
comum ao que sou e que sei
saber que sou.
Nenhum ponto comum na encruzilhada
da passagem naquela molhada e envolta estrada.
Que os deuses me caiam em cima se não é mesmo
uma estrada feita de encruzilhadas,
tal como todas as estradas.


Que os fados* me acudam se não é aqui
nem agora que morrerei
já que aqui me vejo entregue naquilo que deixei
de ser apenas porque sei ser se não for.


Tragam a arma, me devolvam
Tal coisa carregada
‘pa’ fazer dela ela mesma
para que existe nela sua
própria existência,
senão para mim, para minha morte.

No fim da linha em começo
por apresso ao que sou.
Matarei meu ser n mantido
agora lá morto está.

goodbye my heart with good feelings…  







*destino

quarta-feira, 16 de março de 2011

Adeus de Eugénio de Andrade







Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis. 


Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
  


Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
 

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
 

Adeus. 

domingo, 13 de março de 2011

Namorados



Não há muito para dizer…num dia são tudo no outro já não valem nada. Chegam a nosso lado sussurram em breve voz um “amo-te” decididamente decidido, que no fim de contas vale tanto como beatas num cinzeiro após o ultimo bafo de existência na voz.
Arranjão toda uma infinidade de palavras rebuscadas, recursos estilísticos tal como metáforas, comparações, personificações do nosso ser, isto claro para dizerem como somos bonitas e como nos amam. No fundo apenas o fazem para saquear nossa inocência e fazerem o que querem de noz. E noz deixamos, mas só porque o que senti mos é verdadeiro. Noz dávamos tudo para O voltar a ter, a ele que tanto amamos. Sabemos no fundo que é só mais um, de muitos que teremos e cada um será especial para nos. Mas não será melhor para por aqui enquanto a ultima ferida está a sarar?
 antes que o nosso coração se transforme  numa manta de retalhes.


quarta-feira, 2 de março de 2011

Tami Hoag " A sombra da suspeita"




hoje quando cheguei a casa deparei-me com mais um livro que o meu pai estava a ler, em cima da mesa, e folheio.. e acabei por parar nesta pagina:
                           




                                                                      OITO

O corpo foi descoberto.
Suicídio. Acidente.Tragédia.
Ninguém falou em assassínio.
Será mesmo assassínio, se é ditado pela necessidade, se é acompanhado pelo remorso?
Lamento...
O facto de outras pessoas já saberem incomoda, apesar de não suspeitarem de nada. Como se desconhecidos estivessem a invadir o que devia permanecer privado. A intimidade da morte fora partilhada apenas pelos dois. O resultado final seria um acontecimento público.
Isso vulgariza de certo modo a experiência.
Na fotografia, Andy Fallon tem olhar fixo, a derradeira *centelha de vida extingue-se-lhe nos olhos semiabertos, a língua sai-lhe por entre os lábios ligeiramente afastados.
A expressão parece assumir um ar acusador.
Lamento... 
A fotografia, segura na mão, é levada aos lábios, a imagem da morte beijada.
Lamento...
Porem, na mesma altura em que o pedido de desculpas é feito, a excitação aumenta.
                                                                                                                   



*centelhar- brilhar, neste caso o brilho da vida.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"Diário da tua ausência" Margarida Rebelo Pinto

“Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter connosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver.”


“Imagina que te escrevo em voz baixa. Falamos sempre baixo quando queremos que acreditem nas nossas palavras. E tudo o que aqui escrevo é verdade.
Escrevemos porque ninguém ouve. Escrevo-te porque estás longe, numa cidade onde o nevoeiro roubou o ar ao sol e as pessoas pensam mais do que sentem. Se ao menos estivesses aqui ao meu lado, passava-te a mão pela nuca, puxava-te ligeiramente os caracóis e então tu fechavas os olhos de prazer e eu sentia-te próximo. Mas isso agora não é possível…”

“Espero por ti porque acho que podes ser o homem da minha vida. E espero por ti porque sei esperar, porque nos genes ou na aprendizagem da sabedoria mais íntima e preciosa, há uma voz firme e incessante que me pede para esperar por ti. E eu gosto de ouvir essa voz a embalar-me de noite antes de, tantas e tantas vezes, te encontrar nos meus sonhos, e a acalentar-me de manhã, quando um novo dia chega e me faz pensar o quão longa e inglória pode ser a minha espera.”

Quando estou aqui sentada, a namorar o mar e a escrever este diário por ti e para ti, porque é mesmo para ti, meu querido, longínquo e quase impossível amor, sinto-me feliz e não me sinto só. Sei que a minha crença inabalável, a minha energia amorosa e o meu desejo eterno por ti irão alcançar-te e tocar-te de alguma forma. Não me perguntes como, mas sinto que é possível. Gosto de acreditar que tenho o dom de tornar realidade as minhas ficções. E, neste momento, tu és a minha mais bela ficção, um sonho que acalento como uma criança que cresce, sabendo que a espera será grande, será arriscada e ninguém sabe se será frutífera. O objectivo não é o mais importante, mas sim o caminho que se percorre para o alcançar.
Somos nós, com os nossos passos, que vamos fazendo o nosso próprio caminho. Há quem corra demasiado depressa e perca a alma no trajecto, há quem mude de ideias e arrisque um atalho, há quem não saiba escolher a melhor direcção quando chega a uma encruzilhada, há quem deixe pedras pelo caminho para não se perder, se precisar de voltar para trás.
Não sei que espécie de caminhante sou, para onde vou, não sei. Nem sei para onde vais. Nem tu sabes. Pode ser que um dia acordes com uma luz nova, uma força desconhecida que te vai trazer até mim… Sei que há uma força estranha que me faz correr para ti, embora nunca, em nenhuma circunstancia, corra atrás de ti, porque não posso, não me é permitido interferir no teu destino e mudar o curso da tua vida. Isso, terás que ser tu a fazê-lo, por ti e para ti, se assim o entenderes. Será que sentes a mesma força? Quero acreditar que sim, mas no fundo começo a sentir que não…”